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A esposa virgem do Rei

  • bozumiiiiii
  • 30 de mai. de 2024
  • 9 min de leitura

Atualizado: 31 de mai. de 2024

Uma leitura mariana da história bíblica de Abisag, a última esposa de Davi.


Santa Maria, rogai por nós!


A leitura das Escrituras é infinitamente rica, pois delas fluem diversas formas de se entender a doutrina celeste, de acordo com São Gregório Magno (Moral. xx, 1):

"A Sagrada Escritura, pelo modo mesmo da sua locução, transcende todas as ciências; pois, com a mesma expressão, assim narra o feito como expõe o mistério."

Um mesmo trecho pode possuir diversos significados, todos verdadeiros; pois, além do literal ou histórico, Santo Tomás (ST, Ia, Q.1, art.10) enumera outros três sentidos espirituais: o alegórico, o moral e o anagógico. Esses muitos sentidos, no entanto, não geram equívoco algum, pois se fundamentam todos no literal. O Doutor Angélico (ibid) ainda define o sentido alegórico das Escrituras como “quando as coisas da lei antiga significam as da nova.” É, portanto, a leitura espiritual que busca Cristo, prefigurado e predito, nos eventos e nas pessoas veterotestamentárias, assim como Ele mesmo ensina no Evangelho (Lucas 24,44–47).

Algumas alegorias são mais difíceis que outras, e exigem uma maior sabedoria (no sentido que a literatura bíblica sapiencial dá ao termo) daqueles que lêem as sagradas letras, porém é certo que diversos símbolos que envolvem a história do Rei Davi são representações espirituais muito claras da vida de Nosso Senhor. Uma destas histórias diz respeito à Encarnação gloriosa do Filho de Deus no ventre da Toda-pura Virgem Maria.


"Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua palavra"


A ALEGORIA DA ESPOSA VIRGEM


“Disseram-lhe, pois, os seus criados [de Davi]: Busquemos como esposa para o rei nosso senhor uma rapariga virgem, que esteja diante do rei e o aquente, e durma a seu lado, e preserve do grande frio o rei nosso senhor. Buscaram, pois, em todas as terras de Israel uma rapariga formosa, e acharam Abisag de Sunam, e levaram-na ao rei. Era esta uma donzela de extrema beleza, e dormia com o rei e o servia, mas o rei deixou-a sempre virgem.” (3 Reis 1,2–4)

A velhice é sempre semelhante à infância, pois a glória, a força e a autonomia são retiradas do homem que envelhece. Um idoso não pode mais alimentar-se por conta própria; é incapaz de locomover-se como antes, fazendo-se necessário que outros, mais vigorosos, carreguem-no aos lugares. Não consegue mais aquecer-se; perde a audição, e, às vezes, também a fala. Pela degradação do próprio corpo, desapodera-se da liberdade que tanto buscara durante toda a vida. O rei que envelhece, portanto, é mui facilmente identificável com o rei que faz-se criança. E assim como o Davi, filho de Jessé, precisara de cuidados em sua velhice, pois era incapaz de aquecer-se, Cristo, Deus Encarnado, fez-se criança indefesa, pequena e frágil, para cumprir o mistério da Redenção, e foi também cuidado por outrem. Aquele que governa o universo, que cria as estrelas e que sustenta a criação em suas mãos, assumiu um corpo humano, com todas as suas fraquezas; humilhou-se, entregou-se aos homens em uma forma semelhante à deles, para que redimisse e glorificasse tudo aquilo que assumiu para si, como ensina São Leão Magno (Sermão LXVII):

“Ele realmente assumiu nossas fraquezas e, sem participação no pecado, não poupou a Si mesmo nenhuma fragilidade humana, então Ele pôde transmitir o que era dele para nós e curar o que era nosso em Si mesmo.”

Cristo, então, é semelhante a Davi, pois ambos, em toda a sua majestade real, dependeram de um outro ser, inferior em graça, para que pudessem gozar daquilo de mais básico que um homem pode desejar em vida; mas, enquanto Davi entregou-se às mãos de outro contra a sua própria vontade, sofrendo as consequências da debilidade da própria natureza caída, Cristo assumiu tais deficiências por vontade própria, e, ainda que vivendo em plena glória, voluntariamente abraçou as penas do pecado dos homens em seu próprio corpo, e deu-se para a restauração de todo o cosmo, como ensina Santo Tomás de Aquino (Compêndio de Teologia, cap. 227):

“Cristo quis também sofrer, por nossos pecados, a morte, para que, ao receber sem culpa a pena que nos era devida, libertasse-nos do reato da morte, como alguém que liberta outro do reato da pena cumprindo por ele essa pena.”

Mas veio o Verbo à terra de que maneira? Através de uma virgem. E se Davi entregou-se a uma virgem por necessidade, Nosso Senhor o fez por vontade própria, por desejo infinito de salvar todos os homens da perdição à qual haviam se lançado. Se Davi experimentava as consequências de sua própria natureza, Cristo vivia as consequências de uma natureza que até então estranha a Si, e reparava em sua carne assumida os pecados do Rei e de sua esposa virgem, assim como os de todos os homens.

Entregou, então, Deus Pai o próprio Filho ao seio de uma virgem, e dela Ele recebeu a natureza humana, o meio para conquistar a salvação dos pecadores, assim como descreve Santo Afonso Maria de Ligório (Glórias de Maria, I, VI, I,3):

“Maria mereceu dar um corpo humano ao Divino Verbo, desse modo apresentando o preço de redenção para nossas almas.”

E assim como o Rei Davi recebeu para cuidar de si, em sua fraqueza, uma virgem, e não ousou tirar-lhe a virgindade, Cristo também não apenas desejou preservar em Maria o voto de castidade que ela havia assumido antes de conceber do Espírito Santo, para que ela gozasse eternamente da pureza do celibato, o estado superior de vida, mas também nasceu dela sem causar-lhe dano, saindo de seu ventre claustro sem atentar contra sua virgindade, sem causar-lhe dor.

Diz sobre o nascimento de Cristo o Papa Hormisda (Ep. 79 ad Iustin.):

“A criança pelo poder de Deus não abriu o ventre de sua mãe nem destruiu sua virgindade. Foi, na verdade, um mistério digno do Deus que nasceu, que Aquele que forjou a concepção sem semente, preservou o nascimento da corrupção.”,

e conclui o Rev. Joseph Pohle (“Mariology: A dogmatic treatise on the blessed Virgin Mary, Mother of God”, Part II, Ch. I, 3):

“Os Padres empregam uma série de belas analogias para elucidar o dogma do nascimento virginal [virginitas in partu]. Assim, eles apontam para a geração imaculada do Logos no seio do Pai; para a gênese do pensamento na alma espiritual; para a passagem da luz através de um vidro; para a triunfante ressurreição de Cristo em um túmulo selado, para a Sua passagem por portas trancadas, e assim por diante.”

Abisag serviu a Davi até sua morte, mas nunca o conheceu, e manteve-se virgem, servindo-o em sua pureza. Maria serviu a Cristo, “dormiu com o rei e o serviu”, dando-lhe à luz, cuidando de suas fraquezas humanas, aquecendo-o por ser ele incapaz de fazê-lo, tal como o Rei, educando-o como criança, alimentando-o e nutrindo-o, e manteve-se também inviolada, pois aprouve a Nosso Senhor preservar nela a joia da virgindade intacta. Por isso escreve São Basílio de Cesareia (Migne, PG, 31):

“Os que amam a Cristo não podem tolerar ouvir que a Mãe de Deus deixou alguma vez de ser virgem.”,

pois a virgindade de Maria, por ser-lhe uma coroa resplandecente, de glória inigualável, é também a glória de seu Filho, que, sendo a prole perfeita, não poderia macular sua mãe de modo algum, ou mesmo permitir que ela perdesse tal dignidade. Em consonância com tão cândida doutrina, São Bernardo de Claraval (Serm. sobre a Purificação de Maria) ensina que a Virgem não necessitara de purificação quando realizou os ritos para tal, mas o fez pelos homens, assim como Cristo também foi circuncidado pelos pecadores, para ensiná-los a continência e a penitência.


"...pois a virgindade de Maria, por ser-lhe uma coroa resplandecente, de glória inigualável, é também a glória de seu Filho, que, sendo a prole perfeita, não poderia macular sua mãe de modo algum, ou mesmo permitir que ela perdesse tal dignidade."



A virgindade de Maria, no entanto, está contida também, como alegoria, na beleza de Abisag, “uma rapariga formosa”, “de extrema beleza”, pois ela é, depois da Imaculada Conceição, a maior de suas prerrogativas. Assim como era necessário que a esposa de Davi fosse perfeita, sem defeitos, em razão da própria dignidade do Rei, Deus desejou para si, como Mãe do Filho, uma mulher também perfeita, na alma e no corpo, livre de qualquer mancha, pois ensina o mesmo Davi (Salmo 92,5):

“A santidade convém à tua casa, Senhor, em toda a duração dos dias.”

E para cumprir tão conveniente desejo, escolheu para si uma jovem consagrada que deveria permanecer sempre virgem, assim como profetizou Isaías e predisse Salomão em seus Cânticos, pois “a integridade da vida é, principalmente, a virgindade conservada perpetuamente”

(Pe. Benito Merkelbach. “Mariologia”, IIa, Q.2. art. 3). A beleza da Virgem supera a de toda a criação; ela é mais bela que os lírios e as rosas, mais pura que o sol e as estrelas, mais elevada que o firmamento, mais gloriosa que as montanhas, mais vasta que os mares. Nela não há defeitos ou imperfeições, como cantou com devoção Santo Efrém da Síria (Nisib. 27,44ss):

“Vós e vossa Mãe, sozinhos, sois mais belos que tudo o mais; não há mácula em vós, Senhor, nem nódoas alguma em vossa Mãe.”,

e se aliam ao diabo e aos seus asseclas os que se empenham em procurar (de forma sempre vã) faltas na Santíssima Theotokos, pois, tal como é inconcebível alguém se mostrar diante de Davi, buscando em sua jovem esposa alguma deficiência, quão mais espantoso é o instante em que alguém se propõe a fazer o mesmo com aquela escolhida pelo Deus Eterno, pela própria Sabedoria.


"A beleza da Virgem supera a de toda a criação; ela é mais bela que os lírios e as rosas, mais pura que o sol e as estrelas, mais elevada que o firmamento, mais gloriosa que as montanhas, mais vasta que os mares."



Em Maria não há pecado, defeito, culpa ou falta, pois ela é, desde o princípio dos tempos, quando foi escolhida pela divina Providência, toda graciosa, toda de Deus. Não se afastou dele pelo pecado original que afetou toda a prole de Adão; não foi tentada pelo diabo, nunca cometeu sequer um pecado venial. Deus escolheu para si uma criatura impecável, que abarca todas as perfeições.

E à semelhança dos criados de Davi, Deus procurou por Maria “em todas as terras de Israel”. Se houvesse alguma outra moça naquelas terras que fosse mais bela e mais pura que Abisag, os servos do Rei certamente teriam escolhido-na; quanto mais perfeita deveria ser, então, a mulher escolhida pelo Rei do Universo, que deveria conceber de Deus mesmo e dar à luz a própria Sabedoria Eterna. Convinha, portanto, que a Esposa do Espírito Santo fosse não apenas a mais sublime moça de Israel, nem mesmo a mais perfeita em todo o mundo, mas a criatura mais pura do Universo, o ser mais admirável de todo o Cosmo, com exceção do próprio Deus, que não pode ser chamado “ser” no mesmo sentido que as coisas. Por isso escreve o venerável Conrado da Saxônia (Speculum Beatae Mariae Virginis, cap. X), inflamado de devoção:

“Maria é a única que Deus não poderia fazer maior. Deus poderia fazer um mundo maior, Deus poderia fazer um céu maior, mas uma mãe maior que a Mãe de Deus Ele não poderia fazer.”

Como conclusão, deixamos um trecho do livro de Santo Ildefonso de Toledo (De Corona Virginis, cap. I):


"Pois és incomparável a todas as mulheres em beleza, graça e elegância; mais ilustre que todos os homens em virtude, graça e sabedoria; mais gloriosa que os anjos em eminência de dignidade, em excelência de santidade, em obtenção de glória e honra. Exaltada acima dos coros dos anjos, acima dos tronos dos apóstolos e profetas, e de todos os cidadãos celestiais, sentada coroada à direita de teu amadíssimo Filho. Ali teus méritos são recitados, teus louvores gloriosamente exaltados, teus elogios e prerrogativas veneravelmente e devotamente proclamados por todos. O que eu, miserável pecador, posso acrescentar a tão inefáveis coisas? Mas meu estilo é conduzido apenas a isso, para que uma gota de teu louvor seja aqui dirigida. Esta coroa que te prometo, Senhora, deve ser merecidamente de ouro; pois assim como o ouro supera todos os tipos de metais, assim tu, Senhora, no céu e na terra, obténs a supremacia sobre todos. A ti se curva todo joelho dos celestes, terrestres e infernais, e toda língua confessa que és a Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo na glória de Deus Pai, vestida de sol como uma vestimenta, coroada com uma coroa esplêndida de doze estrelas, decorada com glória e esplendor; e assim como o ouro é conspícuo em brilho e belo em forma, assim tu, Senhora, és claríssima em santidade, fulgentíssima em virtudes e milagres, radiantíssima em méritos esplêndidos, formosa e bela em mente e corpo."

A vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus



ORAÇÃO:


Virgem Rainha vestida de sol, coroada com doze estrelas, exaltada nos céus, sendo tu piedosa e misericordiosa para com todos, mais serena que a estrela do mar, vê os dardos hostis que me ferem, olha as dores que me torturam, vê as tentações que me oprimem. Que o inimigo não triunfe por muito tempo, não derrube, não sujeite; que tua mão direita o derrube, que o inferno o engula; e que o olho da fé não se obscureça na morte, mas então brilhe para mim o raio de tua claridade. Enquanto a dura e áspera morte mata o corpo, e os males passados perturbam a mente, enquanto toda a consciência treme, que tua presença nos assista; e para que não sejamos perturbados pelos adversários, defende-nos com teus auxílios. Que passemos seguros com a esperança da santa ressurreição. Amém.



Texto escrito por: https://x.com/villianhs





 
 
 

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